A Atuação do Advogado no Pleito pelo Acordo de Não Persecução Penal
- Bruno Britez
- Jan 12
- 5 min read
Updated: Jan 14
Introdução
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), representa um marco no processo penal brasileiro ao possibilitar soluções negociadas para infrações penais, somado aos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo.
Na prática, a realização do Acordo de Não Persecução Penal, e seu integral cumprimento, significa a extinção da punibilidade, em outras palavras, evita a possibilidade de uma condenação, e em alguns casos evita até mesmo o processo penal, desde que o indivíduo atenda aos requisitos legais e cumpra com as exigências do acordo, uma vez que esgota a pretensão estatal de investigar, processar e punir o indivíduo.
Este artigo visa explorar as possibilidades e limitações desse instrumento, destacando o papel crucial do advogado na defesa dos direitos do investigado.
Hipóteses de Incidência do Acordo de Não Persecução Penal
O artigo 28-A do Código de Processo Penal estabelece os requisitos para o ANPP:
Ausência de Violência ou Grave Ameaça: O crime deve ser cometido sem essas características.
Pena Mínima Inferior a 4 Anos: Aplica-se a infrações cuja pena mínima prevista seja inferior a esse limite.
Confissão Formal e Circunstanciada: O investigado deve admitir a prática do crime.
Necessidade e Suficiência do Acordo: Deve-se comprovar que o ANPP é suficiente para prevenção e reprovação do crime.
Ausência de Reincidência: Não se aplica a investigados reincidentes.
Inadmissibilidade em Casos de Violência Doméstica e Gênero: Esses crimes estão expressamente excluídos.
Esses requisitos garantem que o ANPP seja utilizado de forma responsável, prevenindo abusos e resguardando a função social do direito penal.
A importância do advogado na negociação
A atuação do advogado é indispensável em todas as etapas do processo de negociação e formalização do ANPP. Seu papel compreende:
Avaliação dos Requisitos Legais: O advogado verifica se os pressupostos legais para o acordo estão presentes.
Mediação das Negociações: Atuar como intermediário entre o Ministério Público e o investigado, garantindo que as condições propostas sejam justas e proporcionais.
Proteção aos Direitos do Investigado: Resguardar os direitos fundamentais e evitar coibições ou exigências abusivas.
Controle Judicial: Quando o Ministério Público se recusa a propor o acordo, o advogado pode pleitear a remessa dos autos a órgão superior, com base no § 14 do artigo 28-A do CPP.
A Visão do STJ sobre o ANPP
No julgamento do Habeas Corpus 657.165, o ministro Rogerio Schietti Cruz do STJ afirmou que o ANPP é “uma maneira consensual de alcançar resposta penal mais célere ao comportamento criminoso, por meio da mitigação da obrigatoriedade da ação penal, com inexorável redução das demandas judiciais criminais”. Tal entendimento reflete o caráter inovador e eficiente do instituto, que busca a desjudicialização e a resolução de conflitos penais de forma mais ágil.
O caráter híbrido do ANPP
O acordo de não persecução penal possui caráter híbrido, pois é considerado norma de Direito Penal e Processual Penal, e por se tratar de lei mais benéfica, retroage para alcançar investigações e processos penais iniciados antes mesmo da vigência da lei (2020), consoante decisão do STF no HC 233.147, desde que não exista sentença condenatória e o pedido tenha sido formulado na primeira oportunidade de manifestação nos autos após a vigência do art. 28-A do CPP.
O princípio da retroatividade penal estabelece que uma lei penal só pode retroagir para beneficiar o réu, ou seja, no caso de uma norma penal que aumente a punibilidade, esta não poderá retroagir, é efeito do previsto no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal.
Assim, mesmo que o processo tenha iniciado antes da vigência dessa lei, e esteja em estágio avançado, antes do transito em julgado, caberá ao réu o benefício do oferecimento do acordo, que em caso de aceite, retorna o processo transcorrido para cumprimento do acordo, esse foi o entendimento do STJ, no agravo regimental no habeas corpus 888473 /2024 de Santa Catarina:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). TRÁFICO PRIVILEGIADO. ALTERAÇÃO DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO. NOVO PATAMAR DE APENAMENTO. EXCESSO DE ACUSAÇÃO QUE NÃO PODE PREJUDICAR O ACUSADO. REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ANÁLISE DO CABIMENTO DO ACORDO. 1. No caso em tela, o paciente foi condenado, perante a Corte local, pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. No entanto, após impetração de habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, foi reconhecida a minorante prevista no § 4º do art. 33 do referido dispositivo legal, tendo a pena sido ajustada para 2 anos e 6 meses de reclusão, e pagamento de 250 dias-multa. 2. Essa alteração tornou possível a análise de oferta, pelo Ministério Público, do acordo de não persecução penal, sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 anos, conforme previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal. 3. Reconhecido por este Colendo Tribunal que o delito em questão se tratava de tráfico privilegiado e, consequentemente, corrigido o enquadramento jurídico com a aplicação da respectiva minorante, faz-se necessário que o processo retorne à origem para que seja avaliada a possibilidade de propositura do acordo de não persecução penal, uma vez que o excesso de acusação não pode prejudicar o acusado. 4. Agravo regimental parcialmente provido. (STJ - AgRg no HC: 888473 SC 2024/0028802-2, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 04/06/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024)
Além disso, a propositura do acordo pode ser cabível após a redução da pena aplicada, como no caso acima, a minorante foi reconhecida após a sentença em sede de habeas corpus, reduzindo a pena para o patamar exigível para a propositura do ANPP, sendo o caso de retorno dos autos para o oferecimento do acordo.
Controle Judicial e o Direito Subjetivo ao ANPP
O investigado/denunciado, que figura como sujeito passivo do inquérito/processo penal, detém o direito subjetivo ao acordo de não persecução penal. Significa dizer que dispõe da faculdade de aceitar ou não tal benefício.
Ademais, caso o Ministério Público recuse a oferta do acordo sem justificativa legal e fundamentação idônea, mesmo o investigado atendendo as exigências legais, poderá o advogado ou magistrado interver no procedimento, corrigindo eventuais abusos, abrindo a oportunidade para a formulação da proposta do benefício.
Outrossim, na hipótese em que o investigado atende aos requisitos legais, e o Ministério Público oferece o acordo que é aceito, não cabe ao magistrado a recusa da homologação do acordo.
Benefícios do ANPP
Redução do tempo de tramitação dos processos penais.
Desafogamento do sistema judiciário.
Maior protagonismo das partes envolvidas no conflito.
Considerações Finais
O Acordo de Não Persecução Penal se apresenta como um importante avanço na modernização do sistema penal brasileiro. No entanto, sua efetividade depende da atuação vigilante dos advogados, da sensibilização do Ministério Público e do controle judicial para assegurar a aplicação equitativa e justa, sendo um mecanismo essencial para promover a liberdade e a eficácia no direito penal contemporâneo.
Importante mencionar também, este modelo se pauta pela aceitação das partes, inclusive do investigado, já que figura como requisito do acordo a confissão do investigado.
Dessa forma, o aceite do acordo, com a consequente confissão, implica na supressão integral ou parcial das fases do processo, e caracteriza a renúncia ao devido transcorrer do processo penal e todas as garantias a ele inerente, como por exemplo, a intercorrência da prescrição e decadência, e principalmente da possibilidade da absolvição do acusado.
Por outro lado, a possibilidade de encerramento antecipado do processo, pode significar economia de recursos e tempo, além de evitar que o investigado passe por todas as etapas persecutórias do processo penal.